Análise de fatores que se associam a alterações no teste de tolerância oral à glicose, independentemente dos valores da glicemia de jejum - Dez 2011

25/02/2012 23:11

 

Marcio Weissheimer LauriaI, II; Isabela Nacif Bastos DiasI; Maria Marta Sarquis SoaresI, II; Giovana Vignoli CordeiroI; Victor Eurípedes BarbosaI; Adauto Versiani RamosI

IServiço de Endocrinologia, Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte, MG, Brasil 
IIDepartamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil

Correspondência para

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Identificar fatores associados a alterações do teste oral de tolerância à glicose (TOTG), independentemente da glicemia de jejum (GJ). 
SUJEITOS E MÉTODOS: 377 pacientes (53,8 ± 15,2 anos; 77,7% mulheres e IMC = 31,4 ± 5,9 kg/m2), sem história de diabetes melito (DM), foram submetidos ao TOTG e comparados de acordo com o resultado: normal (NGT), intolerantes (IGT) e DM. 
RESULTADOS: 202 pacientes (53,6%) apresentaram TOTG alterado, sendo identificados 69 com DM (18,3%) e 133 com IGT (35,3%). Na análise multivariada, os fatores, além da GJ, que se associaram (P < 0,05) ao TOTG alterado foram: idade (DM = 58,7 ± 12,9; IGT = 56,7 ± 14,3; NGT = 49,6 ± 15,6 anos), hipertensão arterial (DM = 69,6%; IGT = 63,9%; NGT = 43,4%), GJ (DM = 111,9 ± 9,2; IGT = 103,5 ± 10,3; NGT = 96,6 ± 11,1 mg/dL), HbA1C (DM = 6,1 ± 0,7%; IGT = 6,1 ± 0,5%; NGT = 5,8 ± 0,4%), triglicérides (DM = 179,3 ± 169,9; IGT = 154,2 ± 84,1; NGT = 129,1 ± 71,9 mg/dL), HDL-c (DM = 44,7 ± 9,2; IGT = 47,5 ± 12,3; NGT = 50,6 ± 13,4 mg/dL) e ácido úrico em mulheres (DM = 5,3 ± 1,5; IGT = 5,3 ± 1,3; NGT = 4,7 ± 1,3 mg/dL). 
CONCLUSÃO: Idade, hipertensão arterial, níveis elevados de triglicérides, de HbA1C e de ácido úrico (em mulheres) e baixos níveis de HDL-c se associam a alterações do TOTG em pacientes com sobrepeso/obesidade, independentemente da GJ. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55(9):708-13

Descritores: Diabetes melito; intolerância à glicose; teste de tolerância oral à glicose; glicemia de jejum alterada


ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify factors associated with changes in oral glucose tolerance test (OGTT), regardless of fasting glucose (FG). 
SUBJECTS AND METHODS: 377 patients (53.8 ± 15.2 years, 77.7% women and BMI = 31.4 ± 5.9 kg/m2) with no history of diabetes mellitus(DM), underwent OGTT and compared according to the results: normal (NGT), impaired (IGT) and DM. 
RESULTS: 202 patients (53.6%) had altered glucose tolerance: 69 with DM (18.3%) and 133 with IGT (35.3%). In multivariate analysis, factors regardless of FG that were associated (P < 0.05) with changes in the OGTT were age (DM = 58.7 ± 12.9; IGT = 56.7 ± 14.3; NGT = 49.6 ± 15.6 years), hypertension (DM = 69.6%; IGT = 63.9%; NGT = 43.4%), FG (DM = 111.9 ± 9.2; IGT = 103.5 ± 10.3; NGT = 96.6 ± 11.1 mg/dL), HbA1C (DM = 6.1 ± 0.7%; IGT = 6.1 ± 0.5%; NGT = 5.8 ± 0.4%), triglycerides (DM = 179.3 ± 169.9; IGT = 154.2 ± 84.1; NGT = 129.1 ± 71.9 mg/dL), HDL-c (DM =44.7 ± 9.2; IGT = 47.5 ± 12.3; NGT = 50.6 ± 13.4 mg/dL) and uric acid in women (DM = 5.3 ± 1.5; IGT = 5.3 ± 1.3; NGT = 4.7 ± 1.3 mg/dL). 
CONCLUSION: Age, hypertension, elevated triglycerides, HbA1C, uric acid (in women) and low HDL-C are associated with changes in the OGTT patients with overweight / obesity, irrespective of FG. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55(9):708-13

Keywords: Diabetes mellitus; impaired glucose tolerance; oral glucose tolerance test; impaired fasting glucose


 

 

INTRODUÇÃO

O diabetes melito (DM) inclui um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por hiperglicemia, resultante de defeitos na secreção de insulina e/ ou em sua ação, associada ao desenvolvimento de complicações crônicas micro e macrovasculares (1). O diabetes melito tipo 2 (DM2), a forma mais prevalente da doença, é, muitas vezes, oligossintomático, podendo permanecer sem diagnóstico por muitos anos (2). A melhor compreensão dos processos moleculares no desenvolvimento da resistência insulínica e sua associação com outros distúrbios metabólicos abriram novas fronteiras para o reconhecimento e a caracterização desses pacientes (3). Contudo, cerca de 50% dos portadores de DM ainda desconhecem a doença (4).

Atualmente, para o diagnóstico laboratorial do DM, utilizam-se três ferramentas: a glicemia de jejum (GJ); a glicemia 2 horas após sobrecarga com 75 gramas de dextrosol, denominado teste de tolerância oral à glicose (TOTG), e a HbA1C (5-7). Esses três parâmetros, embora sejam independentes e representem condições fisiopatológicas diferentes, podem correlacionar-se entre si (8).

Considerada pela Associação Americana de Diabetes (ADA) como método de escolha para o diagnóstico de diabetes, a GJ é uma medida simples da glicose plasmática, sendo uma opção atrativa por ser reprodutível, barata e praticamente isenta de efeitos colaterais (9). No entanto, seu ponto de corte foi estabelecido baseado apenas no risco de desenvolver doenças microvasculares (5) e estudos têm demonstrado que valores de GJ acima de 75 mg/dL já aumentam o risco cardiovascular (10).

O TOTG, introduzido em 1922, é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como método ideal para diagnóstico do DM, tanto em bases individuais como em estudos epidemiológicos (11). Sabe-se que o TOTG é o único método diagnóstico formal para a detecção de pacientes com tolerância à glicose diminuída (IGT), o qual representa o defeito fisiopatológico inicial na patogênese do DM2 e já está associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV) (9,12). Além disso, o TOTG é capaz de identificar aproximadamente 2% a mais de indivíduos diabéticos do que a GJ (13). Contudo, por causa de dificuldades na sua realização, maior variabilidade e baixa reprodutibilidade na prática clínica, discute-se em quais pacientes esse teste deveria ser realmente realizado. A ADA o recomenda apenas como uma opção, geralmente complementar, a uma GJ alterada (5) ou para fins de pesquisa, não devendo ser utilizado rotineiramente (1).

Objetivando refinar a indicação de realização do TOTG, o presente estudo buscou identificar fatores clínicos e laboratoriais que se associaram a alterações no TOTG, independentemente dos valores de GJ.

 

MÉTODO

Pacientes e procedimentos

Trata-se de um estudo transversal realizado com 377 pacientes atendidos no ambulatório geral de endocrinologia do Hospital Felício Rocho, Belo Horizonte/ MG, entre abril de 2008 e abril de 2009 e submetidos ao TOTG de acordo com o julgamento clínico do médico-assistente. Nenhum desses pacientes apresentava glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL, insuficiência renal crônica (creatinina ≥ 1,5 mg/dL), cirrose hepática, infecção conhecida pelo HIV ou hepato-vírus C, hipotireoidismo descontrolado, síndrome de Cushing, acromegalia, deficiência de hormônio de crescimento, hipopituitarismo, hipogonadismo ou estavam em uso de medicamentos com ação hiperglicemiante.

Uma entrevista médica detalhada forneceu informações a respeito de hábitos de vida, uso de medicações, história familiar para DM tipo 2 ou DCV em parentes de primeiro grau. De cada indivíduo, foram obtidos peso e altura para cálculo do índice de massa corpórea (IMC); circunferência da cintura abdominal, considerada como a menor circunferência entre a borda inferior da última costela e a crista ilíaca; e pressão arterial, realizada no braço esquerdo, com o indivíduo assentado e em repouso com intervalo de 5 minutos. Foram também analisados os resultados dos seguintes exames laboratoriais: colesterol total (CT) e frações (HDL-c e LDL-c), triglicerídeos, ácido úrico e HbA1C.

Métodos de análises químicas

Os valores das glicemias, CT, triglicerídeos, HDL-c e ácido úrico foram determinados por métodos enzimáticos semiautomatizados (Autoanalyzer, ADVIA 1650, Siemens Healthcare Diagnostics, Eschborn, Germany). O LDL-c foi calculado por meio da equação de Friedewald [LDL-C = CT - (HDL-C - TG/5)]. A HbA1C foi solicitada em um subgrupo aleatório de 119 pacientes e dosada pelo método de cromatografia líquida de alta performance (Bio-Rad Laboratories, Berkeley, USA). O ensaio foi credenciado pelo Programa Nacional de Normalização da Glico-hemoglobina (NGSP).

Análise estatística

A análise foi feita dividindo os pacientes em três grupos de acordo com os resultados do TOTG, seguindo os critérios da ADA (5): normoglicêmicos (NGT), se glicemia 2h pós-sobrecarga < 140 mg/dL; IGT, se glicemia 2h pós-sobrecarga ≥ 140 mg/dL e < 200 mg/dL e DM quando glicemia 2h pós-sobrecarga ≥ 200 mg/dL.

Cada resultado foi apresentado como média ± desvio-padrão ou em porcentagem. Para comparação entre os grupos, foi feita uma análise univariada utilizando, conforme a indicação, os testes do qui-quadrado, ANOVA, ou Kruskall-Wallis para variâncias não homogêneas. O teste t-student foi utilizado quando os resultados do ANOVA foram significativos. Um valor de P < 0,05 foi considerado significativo para todas as comparações. A seguir, foi realizada análise multivariada por meio do método de regressão logística utilizando um modelo com todas as variáveis com significância estatística na univariada. Os programas estatísticos SAS 9.0 (SAS Institute Inc., Cary, NC, USA) e BioEstat 3.0 (Optical Digital Technology, Belém, PA, Brasil) foram utilizados para todas as análises.

Aspectos éticos

O protocolo do estudo recebeu a aprovação local do Comitê de Ética em Pesquisa Humana em conformidade com a Regulamentação Brasileira de Experimentação Humana (Resolução nº 196/96). Os dados pessoais dos pacientes foram mantidos em sigilo.

 

RESULTADOS

Características gerais

De um total de 377 indivíduos avaliados (Tabela 1), 202 (53,6%) apresentaram TOTG alterado, sendo identificados 69 com DM (18,3%) e 133 com IGT (35,3%). A maioria dos nossos pacientes era de mulheres (77,7%), com idade média de 53,8 ± 15,2 anos, com história familiar positiva para DM tipo 2 em 54,4% dos casos e IMC = 31,5 ± 6,0 kg/m2.

Análise univariada

tabela 1 demonstra que, quando comparados aos pacientes NGT, os grupos IGT e DM eram mais velhos (56,7 ± 14,3 e 58,7 ± 12,9 vs. 49,6 ± 15,6 anos, respectivamente, p < 0,001) e estavam mais frequentemente em uso de diuréticos (26,3% e 37,7% vs. 17,7%, respectivamente, p = 0,004), inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueador do receptor da angiotensina II (36,8% e 42% vs.24,7%, respectivamente, p < 0,01) e estatinas (26,3% e 33,3% vs. 18,3%, respectivamente, p = 0,03).

Os pacientes dos grupos IGT e DM eram mais comumente hipertensos do que os pacientes NGT (63,9% e 69,6%vs. 43,4%, respectivamente, p < 0,001).

Não houve diferença entre os três grupos em relação a sexo, IMC, circunferência abdominal, uso de betabloqueadores ou história familiar de DM2 (p > 0,05).

Quanto à avaliação laboratorial, os grupos IGT e DM possuíam maiores níveis de GJ do que pacientes do grupo NGT (103,5 ± 10,3 e 111,9 ± 9,2 vs. 96,6 ± 11,1 mg/dL, respectivamente, p < 0,001), maiores níveis de HbA1C (6,1 ± 0,5 e 6,1 ± 0,7 vs.5,8 ± 0,4 %, respectivamente, p = 0,002) e de triglicerídeos (154,2 ± 84,1 e 179,3 ± 169,9 vs. 129,1 ± 71,9 mg/dL, respectivamente, p = 0,009). Não houve diferenças entre os três grupos nos níveis de colesterol total e LDL-c (p > 0,05). Os pacientes dos grupos IGT e DM apresentaram menores valores de HDL-c (47,5 ± 12,3 e 44,7 ± 9,2 vs.50,6 ± 13,4 mg/dL, respectivamente, p < 0,001). Foram encontrados valores de ácido úrico mais elevados no subgrupo das mulheres com IGT e DM quando comparado ao subgrupo NGT (5,3 ± 1,3 e 5,3 ± 1,5 vs.4,7 ± 1,3 mg/dL, respectivamente, p = 0,02), não ocorrendo o mesmo no subgrupo masculino (p > 0,05).

Na comparação entre grupos DM e IGT, os pacientes com DM tiveram maior GJ do que pacientes com IGT (103,5 ± 10,3 vs.111,9 ± 9,2 mg/dL, respectivamente, p < 0,001), enquanto em outros parâmetros não se observaram diferenças (p > 0,05).

Relação entre as categorias de GJ, HbA1c e o resultado do totG

Na tabela 2, percebe-se que cerca de 90% de nossos pacientes com GJ ≥ 110 mg/dL apresentaram alterações no TOTG, e a maioria desses pacientes recebeu o diagnóstico de DM. Foram observadas também alterações no TOTG em cerca de 70% dos pacientes com GJ entre 100-109 mg/dL. Nesse caso, a maior parte dos pacientes teve diagnóstico de IGT. Cerca de 40% de nossos pacientes com GJ < 100 mg/dL apresentaram alterações no TOTG e 10% dos pacientes que receberam o diagnóstico de DM no estudo tinham GJ < 100 mg/dL.

Em relação às categorias de HbA1C, observa-se, na tabela 2, que 64% dos pacientes com HbA1C normal segundo os critérios da ADA (< 5,7%) não apresentaram alterações na glicemia 2h pós-sobrecarga, contudo 14,3% foram classificados como DM pelo TOTG. Entre os pacientes com critério de HbA1C para DM (≥ 6,5%), cerca de 85% possuíam alguma alteração no TOTG, e a grande maioria foi classificada como IGT. Por outro lado, somente 31,5% dos pacientes com diagnóstico de DM pelo TOTG tiveram os níveis de HbA1C ≥ 6,5%. Além disso, nesse mesmo grupo, 21% dos pacientes apresentaram HbA1C < 5,7%.

Análise multivariada

tabela 3 apresenta os resultados da análise multivariada. No modelo de regressão logística que incluiu todas as variáveis com significância estatística na análise univariada, as variáveis que permaneceram significantes foram: ácido úrico (em mulheres), GJ, HAS, HbA1C, HDL-c, idade e triglicerídeos.

 

 

DISCUSSÃO

Em nosso estudo, foram analisados fatores clínicos e laboratoriais que influenciaram os resultados do TOTG. Verificou-se um aumento gradativo dos níveis glicêmicos entre os grupos NGT, IGT e DM, com significância estatística entre eles (p < 0,001). Já é sabido que uma glicemia de jejum alterada (IFG) é um importante indicador para realização do TOTG. Nosso trabalho demonstrou que o valor de GJ > 110 mg/dL está mais associado com o diagnóstico de DM ao TOTG do que quando se utiliza o ponto de corte de 100 mg/dL. Entretanto, a maioria dos pacientes com GJ entre 100 e 110 mg/dL também apresentou alterações no TOTG, sobretudo IGT. Com resultados similares, Sulaiman e Labib (14) observaram alterações no resultado do TOTG em 62% dos pacientes com glicemias entre 100110 mg/dL. Considerando-se que o paciente com IGT já apresenta risco cardiovascular aumentado, é recomendada a realização rotineira do TOTG em pacientes com GJ > 100 mg/dL.

Entretanto, utilizando apenas o critério da GJ como indicação para a realização do TOTG, se perderia a oportunidade de fazer o diagnóstico de alterações glicêmicas em uma percentagem considerável de casos, ten-do em vista que nossos pacientes com GJ < 100 mg/ dL apresentaram alterações do TOTG em cerca de 40% dos casos e 10% dos pacientes que receberam o diagnóstico de DM no estudo possuíam GJ < 100 mg/dL. Em concordância com nosso trabalho, o estudo DECODE (15) já mostrava ser a GJ limitada em identificar pessoas com IGT e, por essa razão, recomendava fortemente o uso do TOTG no rastreio e diagnóstico de diabetes.

No presente estudo, outros parâmetros clínico-laboratoriais se associaram a alterações no TOTG independentemente do valor da GJ: idade, níveis de HbA1C, HDL-c e triglicérides, presença de HAS, além dos níveis de ácido úrico em mulheres.

Os pacientes IGT e DM eram mais velhos quando comparados ao grupo NGT, corroborando o observado no estudo NHANES, em que o TOTG alterado esteve mais associado à população de indivíduos idosos (16). Em outro estudo, Barret-Conner e Ferrara (17) relataram que 70% das mulheres e 48% dos homens entre 50 e 89 anos tiveram o DM tipo 2 diagnosticado apenas após o TOTG, demonstrando maior sensibilidade do teste quando se considera uma população mais idosa.

Quando se avalia o subgrupo de pacientes em que foi dosada a HbA1C, verifica-se diferença estatística entre os níveis de HbA1C dos grupos IGT e DM quando comparado ao NGT (p = 0,002), mas não entre IGT e DM, demonstrando que a correlação entre esses dois testes existe, mas não é completa. A HbA1C tem sido sugerida como uma ferramenta diagnóstica das alterações glicêmicas em substituição à GJ e ao TOTG (5,7). Entretanto, essa utilidade da HbA1C tem sido questionada e a literatura é bastante conflitante (18-20). Consideramos prematura essa proposição. Em nosso estudo, somente 31,5% dos pacientes com diagnóstico de DM pelo TOTG tiveram os níveis de HbA1C ≥ 6,5%. Reforçamos a ideia de que GJ, TOTG e HbA1C são testes que se complementam, diagnosticando subgrupos diferentes de pacientes com DM.

Nossos pacientes com IGT ou DM apresentaram maiores níveis séricos de triglicérides (p < 0,009) e menores níveis de HDL-c (p < 0,001), além de serem mais frequentemente hipertensos (p < 0,0001). Nossos dados suportam a existência de um cluster de fatores de risco para o desenvolvimento de DM e DCV, que tem uma base fisiopatológica comum centrada na obesidade e na resistência à insulina e que muitos o denominam de síndrome metabólica (SM). Não foram observadas diferenças entre os nossos grupos quanto ao IMC e à cintura abdominal, muito provavelmente porque toda a nossa população estudada, em se tratando de pacientes de um ambulatório de endocrinologia geral, apresentava esses parâmetros alterados. Similarmente ao nos-so estudo,Lorenzo e cols. (21), avaliando um grupo de pacientes submetidos ao TOTG, relataram que a presença de SM poderia ter importante implicação prognóstica no desenvolvimento de DM2, sendo um indicativo da necessidade de solicitar o TOTG independentemente do nível de GJ. Por outro lado, o resultado do TOTG, por si só, vem sendo descrito como melhor preditor de DM tipo 2 e DCV que o simples diagnóstico de SM (22).

Interessantemente, nosso estudo também mostrou associação entre níveis mais elevados de ácido úrico e alterações no TOTG nas mulheres. A associação entre ácido úrico, hipertensão, diabetes, doença renal crônica e doença cardiovascular tem sido descrita mesmo na ausência de hiperuricemia franca, sobretudo no sexo feminino (23). Sabe-se que o ácido úrico, além de ser um biomarcador de distúrbio metabólico, apresenta efeito direto no metabolismo oxidativo e nas células endoteliais (24). Vários estudos populacionais têm mostrado que níveis séricos de ácido úrico predizem mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular em adultos sem diabetes (25-27). Kramer e cols. avaliaram os níveis séricos de ácido úrico como preditor de mortalidade em adultos idosos com diferentes status de tolerância à glicose. Eles observaram que mortalidade por todas as causas associou-se à hiperuricemia independentemente da alteração glicêmica, mas mortalidade cardiovascular ocorreu apenas no grupo com pré-diabetes e diabetes. Além disso, houve aumento linear do nível de ácido úrico de acordo com o aumento da glicemia em ambos os sexos, sendo maior no grupo de pacientes diabéticos (24).

A principal limitação de nosso estudo foi o fato de não termos repetidos os exames analisados. Levando-se em conta que o TOTG apresenta uma considerável variabilidade intraindividual, alguns eventuais erros na classificação dos pacientes podem ter ocorrido. Entretanto, acreditamos que esse fato foi minimizado pela inclusão de um grande número de pacientes no estudo.

Como conclusão, o TOTG ainda é uma ferramenta útil ao diagnóstico das alterações glicêmicas, não podendo ser totalmente substituído pela GJ e/ou HbA1C. A GPJ é um parâmetro útil na indicação do TOTG, no entanto outros parâmetros clínicos e laboratoriais, como a idade, a presença de HAS, hipertrigliceridemia, HDL-c baixo e níveis mais elevados de ácido úrico (no sexo feminino), devem ser considerados na decisão de realizar o TOTG em pacientes obesos ou com sobrepeso.

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

 

REFERÊNCIAS

1. Expert Committee on the diagnosis and classification of diabetes mellitus. Report of the Expert Committee on the diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 1997;20(7):1183-97.         [ Links ]

2. Engelgau MM, Narayan KM, Herman WH. Screening for type 2 diabetes. Diabetes Care. 2000;23(10):1563-80.         [ Links ]

3. Petersen JL, McGuire DK. Impaired glucose tolerance and impaired fasting glucose - a review of diagnosis, clinical implications and management. Diab Vasc Dis Res. 2005;2(1):9-15.         [ Links ]

4. Malerbi DA, Franco LJ. Multicenter study of the prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69yr. Diabetes Care. 1992;15(11):1509-16.         [ Links ]

5. American Diabetes Association. Diagnosis and classification of diabetes mellitus. Diabetes Care. 2011;34(S1):S62-9.         [ Links ]

6. Gerstein HC. Point: If it is important to prevent type 2 diabetes, it is important to consider all proven therapies within a comprehensive approach. Diabetes Care. 2007;30(2):432-4.         [ Links ]

7. International Expert Committee. International Expert Committee report on the role of the A1C assay in the diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2009;32(7):1327-34.         [ Links ]

8. Tuomilehto J. Point: a glucose tolerance test is important for clinical practice. Diabetes Care. 2002;25(10):1880-2.         [ Links ]

9. Cox ME, Edelman D. Tests for screening and diagnosis of type 2 diabetes. Clin Diabetes. 2009;27(4):132-8 .         [ Links ]

10. Coutinho M, Gerstein HC, Wang Y, Yusuf S. The relationship between glucose and incident cardiovascular events. A metaregression analysis of published data from 20 studies of 95,783 individuals followed for 12.4 years. Diabetes Care.1999;22(2):233-40.         [ Links ]

11. World Health Organization. Definition, diagnosis and classification of diabetes mellitus and its complications: report of a WHO consultation. Geneva, World Health Organization; 1999. 59p.

12. Corrêa FH, Nogueira VG, Bevilácqua MF, Gomes MB. Avaliação da secreção e resistência insulínica em indivíduos com diferentes graus de tolerância à glicose - do metabolismo normal ao diabetes mellitus. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007;51(9):1498-505.         [ Links ]

13. Sacks DB, Bruns DE, Goldstein DE, Maclaren NK, McDonald JM, Parrott M. Guidelines and recommendations for laboratory analysis in the diagnosis and management of diabetes mellitus. Clin Chem. 2002;48(3):436-72.         [ Links ]

14. Sulaiman RA, Labib MH. Is using WHO criteria for impaired fasting glycaemia appropriate as an indication for OGTT in patients at high risk of developing diabetes? Int J Clin Pract. 2010;64(13):1793-5.         [ Links ]

15. DECODE Study Group. Is fasting glucose sufficient to define diabetes? Epidemiological data from 20 European studies. Diabetologia.1999;42(6):647-54.         [ Links ]

16. Cowie CC, Rust KF, Ford ES, Eberhardt MS, Byrd-Holt DD, Li C, et al. Full accounting of diabetes and pre-diabetes in the U.S. population in 1988-1994 and 2005-2006. Diabetes Care. 2009;32(2):287-94.         [ Links ]

17. Barret-Connor E, Ferrara A. Isolated postchallenge hyperglycemia and the risk of fatal cardiovascular disease in older women and men: The Rancho Bernardo Study. Diabetes Care. 1998;21(8):1236-9.         [ Links ]

18. Olson DE, Rhee MK, Herrick K, Ziemer DC, Twombly JG, Phillips LS. Screening for diabetes and pre-diabetes with proposed a1c- based diagnostic criteria. Diabetes Care. 2010;33(10):2184-9.         [ Links ]

19. Lorenzo C, Wagenknecht LE, Hanley AJ, Rewers MJ, Karter AJ, Haffner SM. A1C between 5,7 and 6,4% as a marker for identifying pre-diabetes, insulin sensitivity and secretion, and cardiovascular risk factors: The Insulin Resistance Atherosclerosis Study ( IRAS). Diabetes Care. 2010;33(9):2104-9.         [ Links ]

20. Cederberg H, Saukkonen T, Laakso M, Jokelainen J, Härkönen P, Timonen M, et al. Postchallenge glucose, a1c, and fasting glucose as preditors of type 2 diabetes and cardiovascular disease: a 10year prospective cohort study. Diabetes Care. 2010;33(9):2077-83.         [ Links ]

21. Lorenzo C, Okoloise M, Williams K, Stern MP, Haffner SM. The metabolic syndrome as predictor of type 2 diabetes: The San Antonio Heart Study. Diabetes Care. 2003;26(11):3153-9.         [ Links ]

22. Souza CF, Dalzochio MB, Oliveira FA, Neumann CR, Gross JL, Leitão CB. Glucose tolerance status is a better predictor of diabetes and cardiovascular outcomes than metabolic syndrome. Endocr Rev. 2011;32 (3_MeetingAbstracts):P1-530.         [ Links ]

23. Feig DI, Kang DH, Johnson RJ. Uric acid and cardiovascular risk. New England J Med. 2008;359(17):1811-21.         [ Links ]

24. Kramer CK, Von Mühlen D, Jassal SK, Barrett-Connor E. A prospective study of uric acid by glucose tolerance status and survival: the Rancho Bernardo Study. J Intern Med. 2010;267(6):561-6.         [ Links ]

25. Frang J, Alderman MH. Serum uric acid and cardiovascular mortality the NHANES I e epidemiologic follow-up study, 19711992. National Health and Nutrition Examination Survey. JAMA. 2000;283(18):2404-10.         [ Links ]

26. Niskanen LK, Laaksonen DE, Nyyssönen K, Alfthan G, Lakka HM, Lakka TA, et al. Uric acid level as a risk factor for cardiovascular and all-cause mortality in middle-aged men: a prospective cohort study. Arch Intern Med. 2004;164(14):1546-51.         [ Links ]

27. Meisinger C, Koenig W, Baumert J, Doring A. Uric acid levels are associated with all-cause and cardiovascular disease mortality independent of systemic inflammation in men from the general population: the MONICA/KORA cohort study. Arterioscler Thromb Vasc Biol. 2008;28(6):1186-92.         [ Links ]